sexta-feira, 10 de outubro de 2014

FOLHAS, MACHO,FÊMEA, ESSENCIAIS AO CANDOMBLÉ



As folhas são essenciais para o Candomblé.

Todos do Axé sabem que Sem folhas não há Orixa " ko si ewe Ko si Orisá ".

Consulte um Babalorixá ou Iyalorixá antes de fazer uso das folhas . Cada uma tem o seu segredo, use-a com sabedoria.

"Folhas sagradas, Ewé Orò ou Folhas de Orô é como são chamadas as folhas, plantas, raízes, sementes e favas utilizadas nos preceitos e cerimônias como água sagrada das Religiões Afro-brasileiras.

A folha tem uma importância vital para o povo do santo, sem ela é impossível realizar qualquer ritual, dai existe um termo curriqueiro do povo do santo que diz: ko si ewe, ko si Orixa ou seja, (sem folha não existe Orixá).

Todas as folhas possuem poder, mas algumas têm finalidades específicas e nem todas servem para o banho ritual, nem para os ritos. O seu uso deve ser estritamente recomendado pelo Babalorixá ou em comum acordo com o Babalosaim (sacerdote conhecedor da ação, reação e consequência do poder das folhas), pois só estes sabem a polaridade energética, "positiva ou negativa" de cada uma delas e a necessidade de cada indivíduo.

Para sua utilização nos ritos, deve-se saber as Sasanhas (cânticos específico para folha) e o Ofó (palavras sagradas) que despertam seu poder e força "axé".

Ossaim é o grande Orixa das folhas, grande feiticeiro, que por meio das folhas pode realizar curas, pode trazer progresso e riqueza. É nas folhas que está à cura para varios tipos de doenças, para corpo e espírito. Portanto, precisamos lutar sempre por sua preservação, para que conseqüências desastrosas não atinjam os seres humanos.

Água sagrada, Agbo ou simplesmente água de Abô, são os nomes usados pelo povo do santo para denominar a mistura de folhas sagradas, usada na feitura de santo até a ultima obrigação chamada de axexe.

Sua utilização é larga e irrestrita, significando principalmente a ligação entre o Orum e Aiye (mundo dos Orixás e o dos Homens). Proporcionando o fortalecimento físico e espiritual, prevenindo e até mesmo curando certos tipos de doenças, segundo alguns estudos. (Barros 1993:81). Também usado na sacralização de objetos como fio de contas e espaços sagrados.

Sua preparação é complexa, com ritos que pode durar até sete dias. A presença de um Babalorixá e de um Babalosaim é indispensável para sua confecção, pois neste ato litúrgico são exaltados os cânticos de sasanha.

Além de respeitar horários para a colheita das 16 folhas sagradas, sendo oito tipos de folha chamada "fixas" (Ewe Oro) e 8 tipos de folhas "variáveis" (Ewe Orixás), de acordo com o Orixá que se esteja trabalhando, são utilizados, obi, orobo , azeites, mel e até mesmo (Ejé) sangue de animais sacrificados, entrarão nesta misteriosa mistura, tão importante para cultura afro.

Ewe oro e Ewe Orixás são folhas sagradas pertinentes a cada terreiro, podendo variar de acordo com sua regência, todavia são escolhidas ou herdadas de forma ordenada, geralmente seguindo um equilíbrio: folha gún (excitante "quente") , seu significado em nagô é "chama transe", associada com uma folha èrò (calma "fria"), que é catalisadora da propriedades de outras plantas, formando assim uma parceria perfeita, para uma sintonia harmônica .

As folhas gún ou èrò podem ser macho (agboro) ou fêmea (Yagbá). Na realidade o que distingue sua associação são as formas, se pontiagudas são consideradas masculinos se arredondadas femininos, todas elas tem o domínio do Orixá Osanyin.

Folhas alongadas ou que possuem forma fálica são masculinas.
Folhas arredondas ou que possuem formas uterinas são femininas

As folhas consideradas masculinas estão associadas aos orixás masculinos, bem como as femininas, aos orixás femininos, todavia, eventualmente encontraremos algumas folhas femininas usadas para orixás masculino e algumas masculinas utilizadas para as ìyába, o que reflete a própria relação familiar dos orixás masculinos com femininos e vice versa. Como exemplo vemos que, sendo Ògún filho de Yemanjá, as folhas femininas usadas para esta ìyába é freqüentemente usada para este orixás e vice versa.

Dentro, ainda de uma visão binária, os jêje-nagô consideram, ainda que as folhas possam estar posicionadas no lado direito - apá ọÌtún -, que é masculino e positivo em oposição ao esquerdo - apá òsì - que é feminino e negativo.
Os compartimentos que contem as Ewé Inón (Folhas do Fogo) e Ewé Afẹìfẹì (Folhas do Ar) estão associados ao masculino, elementos ativo e fecundantes.
As Ewé Omí (Folhas da Água) e as Ewé Ilé (Folhas da Terra) se ligam ao feminino, elementos passivos e fecundáveis.

Todavia, essa não é uma condição sine qua non quando analisamos mais detalhadamente a utilização dos vegetais, pois, percebemos que algumas folhas positivas se relacionam com o lado esquerdo ou feminino e vice-versa, daí, encontrarmos folhas femininas usadas com fins positivos e folhas masculinas consideradas negativas. Verger (1995:25) cita, pôr exemplo, "que entre as folhas há quatro conhecidas como (...) as quatro folhas masculinas (pôr seu trabalho maléfico)...; e quatro outras tidas como antídotos...". Entre estas últimas êle inclui o ỌÌdúndún, que é uma folha feminina, porém, positiva, o que nos faz crer que as diversas condições binárias não interagem de modo rígido entre si, mas sim transitam dinamicamente de um lado para o outro, pois, como vimos, uma folha masculina pode estar situada junto aos elementos da esquerda pôr ser considerada negativa e vice-versa.
De grande importante, também, na classificação dos vegetais são as condições binárias gún (de excitação) x ẹÌrọì (de calma), pois, são aspectos das folhas, que dão equilíbrio às misturas vegetais, quando bem dosadas de acordo com a situação de cada indivíduo. Os vegetais considerados gún estão ligados aos compartimentos Fogo ou Terra, enquanto que, os considerados ẹÌrọì, relacionam-se com os da Água ou Ar. Estas condições são interpretadas corriqueiramente pelas pessoas do candomblé como fria (ẹÌrọì) ou quente (gún).
Quando utilizadas nos rituais de iniciação ou nos trabalhos litúrgicos, os vegetais classificados como ẹÌrọì tem a função de abrandar o transe, apaziguar ou acalmar orixá, contrariamente, os considerados gún servem para facilitar a possessão e excitar o orixá.
Os vegetais gún e ẹÌrọì são identificados, normalmente, segundo seu nome ou sua finalidade. È importante notar que o ọfọÌ (encantamento) é que determina a função da folha, pois, embora exista todo um sistema classificatório para os vegetais, cada folha traz em si a função a qual ela se destina. Como exemplo: Peregún que no seu ọfọÌ é considerado o senhor da maldição, tem a finalidade de retirar maldições das pessoas. Ewuro, a folha amarga, tem por função retirar o amargo da vida. Teté, Rinrin e Odundun são folhas calmantes, mas, também, com função de atrair prosperidade para seus usuários.
Esses pares se interrelacionam e produzem a harmoniosa das preparações (omi ẹÌrọì, amasí) constituindo-se em referencial das 16 "folhas" ewé ẹÌrìndínlógún que devem estar combinadas, das quais oito são constantes e denominadas de ewé órò, e as restantes variáveis ewé òrìṣà e empregadas de acordo com o òrìṣà do indivíduo a que se destina o preparado e/ou à situação específica (lavagem de contas, de otá, feitura de santo, beberagem, etc.).
O quadro abaixo esquematiza as nossas colocações, assim como permite visualizar o equilíbrio imanente às preparações vegetais. Cabe, ainda, explicitar o que é entendido como omi ẹÌrọì literalmente água que acalma trata-se de preparado à base de vegetais macerados, aos quais é acrescentada omì água (elemento essencialmente ẹÌrọì) e ẹÌjẹÌ (sangue) dos animais sacrificados (elemento gùn), sendo então colocado em recipiente apropriado (porrão, vaso de barro) e deixado para fermentação. Cabrera (1980a:181) assim o define O Omièrè (...) se compõe das folhas correspondentes a cada Oricha e das seguintes espécies usuais (...)
 


Àwọìn Ewé

Tọìtọì

Jọìkọìjẹì

Àgbaó

TẹÌtẹÌ ẹÌgún

Rín Rín

Ọgbọì

GbọÌrọÌ ayaba

Étìpọìnlá
ẸÌrọì Gún ẸÌrọì Gún ẸÌrọì ẸÌrọì Gún Gún
Fem. Fem. Masc. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc.
Yèmọnja ỌÌṣùn Ṣàngó Òṣàlà ỌÌṣùn ỌÌsányin Àwọìn ayaba Ṣàngó



Esta preparação também é conhecida no Brasil com a designação de Àgbó, água dos òrìṣà, considerada de múltipla utilidade e um dos àsé mais importante dos ilé òrìṣà. Cabe ressaltar que existem distinções na sua composição, independentes da variação das espécies vegetais que o compõem "ewé òrìṣà e, conseqüentemente do elemento relacionado. Em primeiro lugar, existe o Àgbó para os òrìṣà funfun, sem azeite de dendê epó e sem sal iyò, e o àgbó dos ébóra òrìṣà-filhos que, por sua vez, é diferenciado de acordo com a substância mítica relacionada à cada um desses òrìṣà. Portanto, a diferenciação dos àgbó está relacionada com os èwò proibições alimentares elementos que se referem diretamente às substância-símbolo da essência do òrìṣà e que aparecem explícitas nos mitos de criação e/ou nos textos dos Odù.

O mel, por exemplo, não pode ser incluído entre os elementos que compõem o àgbó ỌÌṣọìọÌsi, pois é um dos seus interditos alimentares, enquanto está presente nas preparações destinadas a todos os outros òrìṣà, o mesmo sucede com o dendê em relação a Òsàlá.
Verger (1968a), estudando o papel das plantas litúrgicas entre os Yórùbá, vai dividi-las em duas categorias: "igègùn òrìṣà" e "èrò òrìṣà", a primeira categoria para "excitar os òrìṣà" e a segunda para "calmar os òrìṣà". Explicita quanto ao termo "gùn" que este significa "montar" e induz a idéia de cavalgar, sendo que os adeptos que são possuídos pelas divindades são denominados de "elégùn" ou "esín òrìṣà" cavalo do deus concluindo que as espécies colocadas sob esta categoria servem para propiciar a possessão. Contrariamente, as plantas classificadas como de calma (èrò) teriam o efeito de abrandar o transe, apaziguar o òrìṣà. Estas categorias mencionadas por Verger foram extraídas de textos dos Odù e no curso de nosso trabalho conseguimos identificá-las nas "kòrín ewé" ou "cantigas de folha", integrantes do ritual "Àsà Òsányìn" ou como chamada Sasanho, no qual as espécies são louvadas antes de serem empregadas. Os textos das cantigas aparecem mais adiante na linguagem ritual e em tradução para apresentar o significado, tanto literal quanto a dos grupos Jêje-Nagô.

O termo gùn aparece com a mesma conotação nas cantigas que visam detonar o àṣ da "folha" PẹÌrẹÌgún e da "folha" TẹÌtẹÌ ẹÌgún. Quanto à categoria èrò, podemos encontrá-la explícita nas cantigas que se referem a ìrókò (Ficus doliaria, M., Moracease, Ba-35) e ỌÌdúndún, espécies conotadamente de calma, tanto no Brasil, como em Cuba e na Nigéria "(...) evocam a idéia de retorno à calma através do emprego de folhas de ỌÌdúndún e da água contida na concha do caramujo.
No Brasil, entretanto, estas categorias aparecem também sob a denominação de "positivas" e "negativas", servindo como medida para o estabelecimento do equilíbrio das preparações, sendo mesmo "que se deve Ter muito cuidado ao juntar as folhas, pois pode acontecer algum problema se não forem vem casadas", segundo a maioria de nossos informantes.

A paridade e a complementaridade com a combinação exata dos pares Macho/Fêmea e Agitação/Calma também é observada no preparo de amasi banhos destinados a induzir bem-estar, nos quais somente são empregadas "folhas verdes", recém-coletadas, maceradas e imediatamente usadas. Os amasi aqui no Brasil são chamados de Omièrò, Maupoil (1943:143) faz menção a preparações "compostas de folhas e d'água (ama-si)" com a mesma finalidade. Então, se a paridade é uma constante nas preparações mencionadas, significando o estabelecimento de equilíbrio, a imparidade aparece diretamente relacionada à desordem, ou seja, ela é quem pode resolvê-la e através de sua ação (movimento) reconduzir à ordem, ao equilíbrio.

O movimento é a mediação que produz uma comunicação que, por sua vez, restabelece a ordem. Esta ação, portanto, é associada à imparidade nos ritos de limpeza e/ou purificação, que vão produzir o bem-estar, advindo da estreita ligação com os òrìṣà. A limpeza e a purificação rituais os "sacudimentos", cujo sentido explícito de movimentos se encontra na denominação do rito, são realizados com número ímpar de espécies vegetais (1,3,7) e visam anular a desordem proveniente de um estado de "doença". Este estado, contudo, não se refere apenas a distúrbios fisiológicos, mas, sobretudo, à ruptura da ligação (falta de comunicação) necessária para o bem-estar (saúde) entre os árá-aiyé e os árá-òrún, entre a oposição binária complementar fundamental, entre a vida e a morte, entre o natural e o sobrenatural.

Em suma, a desordem é equalizada à doença (mal-estar físico e/ou social). A volta à ordem é propiciada pela ação que a imparidade produz, a mutação de um estado de "doença" para o de "saúde" implica, pois, na imparidade, da mesma forma que a ordem/equilíbrio supõe a paridade. A imparidade, simbolizando a impureza, somente através do emprego de elementos vegetais ou não, em número ímpar, pode trazer a ordem/pureza.

Dentro da lógica do sistema de classificação dos vegetais foi detectada, além dos pares Macho/Fêmea, Agitação/Calma, outra sub-divisão, a das plantas substitutas, aquelas que são ewé ẹrú - folhas escravas das outras. Estas espécies estão diretamente relacionadas à folha principal de cada uma de nossas categorias-chave. Assim é que, por exemplo, a principal no compartimento fogo, ewé inón estão unidas outras espécies denominadas de suas "escravas", que podem substituí-las ou a ela se agregar para a obtenção de fins almejados. Tal associação implica, portanto, na noção de Família empregada na classificação botânica clássica. Da mesma forma, as substituições podem ser efetivadas à nível de espécie: em vez de ỌÌdúndún pode ser empregada Àbámodá, ambas pertencentes à categoria èrò e também ao compartimento ewé omi. Dalziel (1948:28) se refere a ewé Àbámodá como o que você deseja, você faz em tradução literal do nome, e acrescenta que ela também é chamada de ẹrú-ọÌdúndún escravo de ọÌdúndún. Percebe-se o estabelecimento de uma extensa rede de "relações de parentesco" entre as folhas principais e suas substitutas afins. A existência destas afinidades também percebidas por Cabrera (1980a:179) está de acordo com o cuidado recomendado por nossos informantes, na composição harmônica de uma preparação, pois uma não-afinidade pode causar malefícios; assim é que as "folhas" de Şàngó nunca devem ser colocadas no Àgbo de Ọbalúwaìye, da mesma forma que os "seus quartos devem ser separados". Estas precauções estão fundamentadas nos mitos que relatam a constante luta desses òrìṣà pelo coração de Ọya.
O par Macho/Fêmea encontra-se representado primordialmente em Ọgbọì, pertencente a todo os òrìṣà masculinos e em GbọÌrọÌ ayaba, representante de todas as divindades femininas.
Outras distinções foram percebidas e podem ser resumidas nos seguintes critérios:
todos os vegetais (árvores) possuidores de troncos são reunidos sob a denominação ampla de igi, notadamente as que se destacam pelo porte como Ìrókò, Oṣè, Ẹìkikà.
os vegetais rasteiros, arbustivos ou de caule sésseis estão agrupados como "kékéré" e geralmente antes da palavra que os designa especificamente consta o nome ewé (folha): ewé àbamòdá, ewé òṣibàtà.
os vegetais parasitas ou não, que têm como substrato outros vegetais, e as trepadeiras recebem a denominação geral de àfòmón: odán àfòmón (Phoradendrum crassifolium, Phl et Schl., Loranthaceae, Ba-132) e àfòmón (Struthantus brasiliensis, Lank, loranthaceae, Ba-80).

Portanto, pode-se inferir do exposto acima que as relações complementares Macho/Fêmea, Agitação/Calma e os demais pares viabilizam não apenas uma justaposição por compartimentos (Bastide, 1955:494), mas um encaixamento de compartimentos, conforme apontado por Lépine (1982:54).

A coerência do sistema de classificação dos vegetais é, portanto, manifestação da coerência do sistema classificatório abrangente Jêje-Nagô, subjacente ao ethos das comunidades. Pode-se afirmar que, neste sentido, os vegetais ultrapassam seu sentido utilitário imediato, são organizados e fazem parte de um sistema classificatório de ordenação do mundo; estão diretamente relacionados a uma cosmovisão específica e são constituintes de um modelo que ordena e classifica o universo, definindo a posição do indivíduo na ordem cosmológica. Assim, os vegetais fazendo parte de um mundo real, dão-lhe um sentido também. A sua organização dentro de uma perspectiva própria, torna-os conceitualmente apreensíveis, podendo, por conseguinte, o indivíduo vivenciá-lo e mover-se dentro deste espaço organizado.
 

fonte: internet
 




 

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